Educação

Aumento de dias letivos é questionado
Para pesquisadores, proposta do governo de estender permanência na sala de aula não teria impacto efetivo no aprendizado do aluno









 
Aumentar os dias letivos como estratégia para melhorar o aprendizado dos alunos é um equívoco. A opinião é de especialistas da educação que respondem à proposta do governo federal, divulgada recentemente, de elevar de 200 para 220 os dias de trabalho escolar.

"Nessa medida, mais uma vez se repete o erro central da educação brasileira. Sempre se opta por fazer mais, e não melhor. É daí que criam mais séries, mais tempo, mais curso", diz João Batista Araujo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto.
A ideia de aumentar o ano letivo surgiu a partir de um estudo do secretário de ações estratégicas da Presidência da República, Ricardo Paes de Barros.
Depois de analisar pesquisas nacionais e internacionais, o trabalho de Paes apontou que o aumento de dez dias no ano letivo poderia elevar o aprendizado do aluno em até 44% no período de apenas um ano.
O secretário citou exemplos de países como Japão, Coreia do Sul e Israel, que têm anos letivos de 243 dias, 220 dias e 216 dias, respectivamente.
Comparação. Acreditar que a realidade de outros países se repetirá aqui não é o correto, diz o economista e especialista em educação Ernesto Faria. "A comparação por si só não diz muito, mesmo porque, se olharmos a média de dias letivos dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), estamos na frente", diz.
O que acontece no Brasil, explica o pesquisador Naercio Menezes Filho, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), é que há pouca eficiência da hora letiva.
"Do jeito em que estamos, aumentar os dias teria muito pouco efeito sobre o aprendizado. Hoje, das quatro horas em se que passa na escola, há um bom tempo que é gasto no recreio, na chamada e com a indisciplina. 0 professor brasileiro ocupa pouco tempo em ensinar e, por isso, na maioria das escolas o conteúdo programado não é cumprido."
Estudo recente do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), na sigla em inglês, por exemplo, mostrou que as salas de aula brasileiras são mais indisciplinadas do que a média de outros países avaliados.
Pesquisa feita pelo americano Martin Carnoy, professor de economia da educação da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, mostrou que estudantes brasileiros passam a maior parte das aulas copiando instruções escritas na lousa pelo professor, não participam das atividades, ficam entediados e se distraem rabiscando no caderno ou conversando com colegas.
Prioridade. Para Ilona Becskeházy, da Fundação Lemann, aumentar os dias de aula é um erro de prioridade. "Em vez de propor uma política estruturante, o que se mostra é uma maquiagem", afirma.
O primeiro passo para o avanço da educação no País, segundo Ilona, é investir no melhor preparo do professor. "Ele chega com formação deficiente e já não sabe dar aula. Desse jeito, aumentar o número de dias é crescer o tempo improdutivo", avalia.
Para Ilona, somente com a garantia de um projeto pedagógico consistente é que vale a pena o acréscimo de tempo de estudo, mas não no formato proposto, de aumento do número de dias.
Ilona defende a educação integral: mais horas/aula diárias, com professores capacitados e que trabalhem em um só colégio. Com um vínculo mais estreito com o aluno, cresce a probabilidade de o estudante apresentar melhor rendimento escolar.
Até os custos diminuiriam nesse formato, diz João Batista, do Alfa e Beto. "É uma equação economicamente viável, porque se pagaria o tempo integral de cada profissional. Hoje, o diretor fica 11 horas dentro da escola e o professor não consegue se sustentar lecionando num período só."
Falta diálogo. Essa proposta do aumento de dias letivos, segundo Ernesto Faria, mostra o quanto se precisa avançar em estudos que unam pedagogos e economistas. "Fica cada um no seu canto e não se conversam." Os pedagogos ficam atrelados à formação que tiveram e, no Brasil, o curso de Pedagogia não traz abordagem econômica. E os economistas acreditam que não precisam do diálogo.
"A presença de um número pequeno de especialistas em educação que dominam a parte técnica faz com que esses economistas não necessitem pesquisar educação mais a fundo. Exemplo disso é que poucos são especialistas apenas em educação. Muitos analisam pobreza, renda e outras políticas públicas."
Um problema que se agrava ainda mais porque, segundo Faria, mesmo entre os pesquisadores de exatas existe pouco debate. "Se os especialistas das exatas não criticam possíveis erros de seus colegas, isso acaba sendo visto pelos especialistas das humanas como se fosse uma visão de todos. Quando não é."
O secretário Ricardo Paes de Barros informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não falaria sobre o assunto.

OCIMARA BALMANT, ESPECIAL PARA O ESTADO - O Estado de S. Paulo
03 de outubro de 2011 | 3h 01

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